sábado, 2 de abril de 2011

O que é uma espécie?

Esta pergunta tem andado nas bocas de quem se interessa pela Natureza e pela Evolução um pouco desde sempre, mesmo quando não se pensava formalmente em evolução e mesmo quando apenas encarávamos a Natureza como algo lá forma que podiamos utilizar apenas para nosso bel-prazer.

Acontece que o conceito de espécie não é único e varia consoante o grupo que estudamos, varia consoante o isolamento das populações, o seu papel ecológico e mesmo o ambiente político das populações humanas! É verdade, é em grande maioria subjectivo já que é uma concepção essencialmente humana... Sim, existem entidades biológicas na Natureza, que trocam material genético e procuram a sobrevivência das suas moléculas indefinidamente e geralmente não o fazem com outras muito diferentes mas não só os acasos acontecem como por vezes são vantajosos (se bem que a ciência nos diz que raramente, mais em plantas que em animais, mais nuns que noutros)!

Os cientistas gostam de rotular tudo, aliás, todos nós o gostamos um pouco, já que a nossa mente funciona melhor a compartimentalizar, individualizar e identificar para depois relacionar conceitos. Mas a verdade é que os seres vivos não parecem funcionar tanto assim e talvez definissemos a biodiversidade mais como um contínuo em que existem decerto solavancos (onde o contínuo é menos aparente) nas relações entre cada entidade (o indivíduo, a população, o conjunto de populações que definem a espécie?). Esses solavancos são importantes e geralmente chamamos espécies mas como disse, o conceito varia com o que estudamos.

Este paleio todo vem relacionado com um grupo que me tem despertado interesse recentemente: as orquídeas.
A família Orchidaceae é uma das famílias de plantas com maior diversidade mundial, mais de 20 000 espécies fundamentalmente tropicais mas um pouco por todo o mundo e com uma história evolutiva das mais interessantes: a estreita relação com os seus polinizadores. A sua dinãmica ecológica implica que estão sujeitas a pressões selectivas muito intensas e essa evolução vê-se mais facilmente onde essa pressão é mais intensa: nas flores.
Algumas das flores das orquídeas mais interessantes são as do género Ophrys, as orquídeas-abelha que como o nome indica, não só se assemelham a insectos como o seu objectivo é atrair alguma espécie em particular ou um grupo em geral, dependendo da espécie. Estas orquídeas não produzem néctar e por isso têm de ser mesmo muito convincentes já que os insectos não caem muitas vezes na mesma esparrela. É esta pressão intensa de sobrevivência que faz com que as orquídeas se apresentem tão variáveis nos seus padrões e sejam um pesadelo para os biólogos e naturalistas que querem rotular tudo ao máximo, e daí o conceito de espécie.

O motivo para esta prosa toda está relacionado com a imagem seguinte, que sugiro que seja apreciada pelo menos durante um minuto inteiro, com atenção aos detalhes:


Ophrys spp. grupo fusca-subfusca.

Trata-se de uma compilação de 10 fotos representando 5 indivíduos diferentes de orquídeas do grupo Ophrys fusca fotografadas na região de Palmela em 30 Março 2011, todas na mesma área de cerca de 20m2!
Factos e coisas:
1) Para alguns autores estamos perante uma única espécie muito variável, Ophrys fusca.
2) Para outros, na foto estariam representadas 3 espécies diferentes: O. lucentina (1 e 2); O. lupercalis (3 e 4) e O. fusca.
3) Para outros, O. lupercalis é apenas uma subespécie de O. fusca.
4) Julgo não haver estudos quanto aos polinizadores mas parece-me dificil que a existência destas formas todas numa população esteja relacionada com contactos secundários em vez de um polimorfismo natural de uma espécie. Simplesmente algumas populações serão mais monomórficas que outras (por deriva genética, por efeito-gargalo...) e estarão mais perto da fixação de alguns alelos.
5) Estudos genéticos de 2005 indicam que não existe diferenciação genética entre qualquer uma destas formas mas consistentes diferenças morfológicas entre lucentina e as outras, que nalgumas análises aparecem individualizadas segundo a concepção das 3 espécies (e outras mais).

Organizei as fotos de modo a aparentar a existência de um gradiente... não vos é aparente também? Em que ficamos? Eu queria mesmo rotular tudo mas a ideia de pensar neste grupo em plena evolução e em todo o dinamismo que revela parece-me muito mais interessante nisto de fruir a Natureza!

1 comentário:

Anónimo disse...

Abandonei a genética há já algum tempo, mas não poderá ser apenas algo tão simples como codominância? Se dependem do sucesso da ilusão do seu polinizador, é normal que a evolução tenha seguido no sentido de beneficiar as espécies cujos indivíduos exibiam um maior padrão de variação entre eles - se fossem todas iguais os polinizadores acabariam por aprender / rotulá-las como sem interesse.

Espreita lá que está interessante:
http://viajeaqui.abril.com.br/national-geographic/edicao-114/orquideas-493901.shtml?page=1

"Mimetismo floral imperfeito": a imperfeição na imitação da orquídea pode ser justamente parte da perfeição de sua estratégia reprodutiva – sutis variações entre as plantas são parte da estratégia das orquídeas para impedir que os zangões aprendam a não se enamorar de uma flor

Para mim a questão que realmente levanta dúvidas: «Por que a seleção natural não acabou por eliminar insetos imprudentes que gastam o tempo se acasalando com uma versão vegetal de boneca inflável?». Não creio que um himenóptero com uma tão complexa estrutura organizacional se deixe ludibriar assim tão facilmente. Não creio por isso que não leve nenhuma vantagem desta cópula… seria, por exemplo, assim tão estranho pensar que a vantagem para aquele insecto fosse o prazer químico do odor floral exalado pela flor? Nos seres humanos o prazer é uma boa recompensa, seja ou não o objectivo da cópula a reprodução :P

Acho que ainda temos muito por perceber…