quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Noites por Sintra 1


Decidido a aproveitar a última noite quente de Setembro, a 22 fui para a Serra de Sintra, na sua vertente sul armadilhar para borboletas nocturnas e não foi nada mau: 76 espécies incluindo 25 microlepidopteros, alguns dos quais ainda por identificar. Em relação aos macros não houve muitas novidades mas pude confirmar a ocorrência de uma das espécies de Noctuidae que considero mais bonitas e um bom indicador de que armadilhei numa zona de urzal. Porque as larvas se alimentam de urzes (Erica spp. e Calluna vulgaris) e as borboletas aparecem somente nas etapas de sucessão ecológica onde domina a associação Calluno-Ulicetea que é uma dos tipos de matos mais característicos da Península de influência atlântica em solos de pH tendencialmente ácido.

Anarta myrtilli
P N Sintra-Cascais
Setembro 2013

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Uma orquídea lusitana

É fácil perceber porque é que as orquídeas fascinam o naturalista observador a cada encontro, em cada passeio. A sua estratégia de sobrevivência, intrísecamente ligada à fauna de insectos que povoa os campos e as florestas torna-a as extremamente dependentes e por isso são tão consideradas em política de ordenamento e conservação.
As orquídeas já foram objecto de interesse neste blog, com o tema da sua variabilidade e do que os autores consideram espécies diferentes, no complicadíssimo grupo da Ophrys fusca e também acerca de uma das espécies mais locais, a Orchis colina
Com tantas espécies de orquídeas seria prematuro pensarem que se me tinham esgotado os temas de conversa e tendo hoje mesmo visto pela primeira vez a parente lusitana da largamente distribuida Ophrys speculum (que também temos!), não fiquei mais esclarecido sobre a real existência de uma espécie ou subespécie diferente, ora denominada Ophrys vernixia ou O. speculum ssp. lusitanica.
Seja como for, esta forma magrinha de orquídea de espelho apenas aparece no maciço calcário estremenho,  no Algarve e em colónias isoladas na cordilheira bética, no sul de Espanha.

Para começar, uma foto de uma flor de Ophrys speculum, tirada no Alentejo interior, onde não existe O. vernixia.

Podem ver facilmente o que a caracteriza: um labelo largo azulado no centro e amarelo no bordo, rodeado de cilios avermelhados. É uma esquisita mas bela orquídea, existe um pouco por toda a parte.

No oeste do país torna-se predominante a O. vernixia, especialmente na zona de Lisboa onde não aparece de todo a O. speculum. Esta é caracterizada teoricamente por possuir um labelo comprido e convexo em que as duas margens laterais se tocam ventralmente, os lóbulos laterais também são convexos e mais compridos e os cilios são amarelados, tendencialmente. Parece simples? Sim, acho que sim e aqui está uma que encontrei ontem na zona de Cascais, de onde aliás são todas as fotos restantes.

À partida não achariamos qualquer motivo para confundir as duas mas acontece que decidi continuar a explorar o prado de orquídeas que entre as casas que pululam como cogumelos nos arrabaldes do Parque Natural de Sintra-Cascais teima em afirmar o valor e resiliência da biodiversidade.

E encontrei estas coisas...

 Lóbulos laterais de O. speculum, labelo intermédio, cilios vermelhos.

 Lóbulos laterais de O. vernixia, labelo comprimido lateralmente também como O. vernixia, cilios amarelos

 Cilios rosados!

Labelo como O. speculum, lóbulos laterais como O. speculum, cilios como O. speculum... tudo indica que afinal nesta população de O. vernixia há hibridação, até temos indivíduos praticamente perfeitamente O. speculum! Não acham?

Sem tecer muitos mais comentários, que deixo para vocês, deixo-vos com a planta da foto de cima, que parecia tão O. speculum:
A flor que vos mostrei está no mesmo pé desta outra, tão diferente e que é tão tipicamente O. vernixia que nos provoca um bloqueio mental. Aceitam-se ideias e sugestões... isto das orquídeas nem tudo o que parece é e cada vez me fio mais na Flora Ibérica, tão aglutinadora e sintetizadora desta diversidade de pseudo-espécies que alguns orquidófilos teimam em usar. 

Mas sou só um entomólogo que fotografa orquídeas quando o tempo está nublado...

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Uma couve especial em Sintra!

Claro que não é uma couve mas é muito mais giro começar por chamar a qualquer crucífera de "couve". Também lhe podia chamar "nabo" ou "rábano" ou um tipo de agrião mas "couve" remete-nos para a ruralidade e a vivência do campo de uma forma ímpar.
Lembramo-nos quiçá dos nossos avós e as suas hortas pré êxodo-rural, lembramo-nos das praças e do caldo-verde e é claro, para aqueles mais ligados às couves em sí: lembramo-nos de lagartas.



A Coincya cintrana é uma crucífera, uma "couve" um pouco diferente porque é especial. Não é comestível e  a sua especialidade advém de ser única e localizada no mundo. Neste mundo de couves (Cruciferae/ Brassicaceae tem segundo a Wikipedia cerca de 3700 espécies) esta espécie apenas aparece na Serra de Sintra, de Montejunto e na dos Candeeiros, todas elas na nossa Estremadura de clima favorável e ameno, com ares do Atlântico. É uma espécie anual ou perene e oportunista após o desbaste do mato que ultimamente é o mesmo que dizer, do acacial e olhando para ela não se diria que era uma couve rara, porque geralmente as espécies especiais estão em ambientes estáveis e... especiais!

É mais uma das jóias que podemos encontrar em locais perto da urbe crescente, locais como a Serra de Sintra, onde ainda não estão cheios de acácias ou eucaliptos e cedros.
Se quiserem saber mais, aqui ou aqui são bons locais!


domingo, 31 de março de 2013

A parte-corações

Há aquelas que partem corações porque quando as vemos passamos a estar enfeitiçados por elas, pela sua beleza ou forma de se moverem, é aquele jeito ou o brilho nos olhos, não sei. O que sei é que é esse sentimento com que fiquei, assim meio sem-graça quando vi a Valeria pela primeira vez. Quão paixão adolescente, revelou-se intensa mas fugaz e fez crescer em mim um desejo de a ver repetiamente, se bem que por pouco tempo. É que a Valeria apenas se mostra reluzente entre Março e Abril e passada esta luminosa Primavera, também ela até ao ano seguinte.

Valeria jaspidea (Noctuidae)
P N Sintra Cascais, Março 2013

 A V. jaspidea é uma espécie do sudoeste da Europa que apenas voa entre Março e Abril em zonas de matagal onde predomina o abrunheiro-bravo (Prunus spinosa), do qual se alimentam as lagartas, quando as folhas ainda são tenras. Destaca-se pelas escamas verdes altamente reflectivas dando-lhe um tom eléctrico, bastante difícil de apanhar em foto.