terça-feira, 25 de agosto de 2015

Abraxas sylvata - uma jóia da floresta.

Em 2001 ainda não armadilhava para borboletas nocturnas.
Não tinha nem a lâmpada, nem o lençol, nem a maioria dos livros ou fontes de informação que pululam por todo o lado. Eram tempos mais difíceis em que o secundário não me deixava ir tanto para o campo senão nas férias escolares. Mas não era por isso que não via borboletas.. só via muito menos. :)
Nessas férias do Verão, passei os meus primeiros dias na zona serrana imediatamente a sul do rio Vouga, entre Aveiro e Viseu, ilha temperada na matriz mediterrânica do centro de Portugal e local de imenso interesse lepidopterológico.
Os meus dias, foram passados a apanhar borboletas com uma pequena rede de aquário, daquelas pequenas, verdes. Tarefa árdua... olhando para trás, admiro a minha capacidade e paciência.
De noite, frequentava as luzes da aldeia em busca de borboletas poisadas que eram atraídas pelas mesmas e escapavam aos morcegos habituados a tão constante alimentador.
Certa noite de Agosto apanhei uma borboleta que viria a ser das minhas primeiras "malhas". Inicialmente identifiquei-a, Abraxas sylvata (é relativamente fácil de distinguir das aparentadas) mas a informação era fragmentária em Portugal e não me apercebi da sua importância.
Anos mais tarde, em conversa com o Martin Corley referi essa espécie com a maior naturalidade, como já a tendo observado. Ele levantou a sobrancelha e perguntou-me se eu tinha mesmo a certeza que seria a Abraxas sylvata e não a bem abundante Abraxas pantaria. É que a A. sylvata seria nova para Portugal, à altura só se conhecia dos Pirinéus e País Basco! Eu disse-lhe que tinha a certeza mas tinha de confirmar. De volta a Lisboa, fui procurar na minha colecção por tão importante bicho só que a mesma fora atacada por pequenos terroristas, psocópteros que comem tudo o que é orgânico e nutritivo. Ela estava toda partida, asas separadas do resto mas tinha a confirmação. Mas nunca mais voltou a ser encontrada em Portugal, apesar de ser uma espécie de moderadas dimensões e de haver tanta malta no norte do país às borboletas, actualmente.
Este ano, já dotado de toda a parafernália adequada, voltei mais vezes ao local e no início de Agosto, como em 2001, ela voltou a aparecer! Uma visão estupenda por ser um bicho bonito, por ser a confirmação da existência de uma população, 14 anos depois e por ainda ser o único local em Portugal de onde é conhecida... e no meu quintal! Ei-la.

Abraxas sylvata
Ribeiradio, Viseu
Agosto 2015

Esta espécie foi originalmente publicada, para Portugal, em:

Corley M.F. V, Marabuto E., & Pires P. (2007) New Lepidoptera for the fauna of Portugal (Insecta: Lepidoptera). SHILAP Revista de Lepidopterología, 35, 321–334. 

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

O género Phyllonorycter


Fruto da posição geográfica e da amplitude climática, que proporciona uma riqueza de espécies botânicas de porte arbóreo e arbustivo, em Portugal existe uma diversidade extraordinária de espécies de borboletas do grupo das que minam o interior das folhas, caules ou frutos, geralmente pelo parênquima e deixando a cutícula mais ou menos intacta.

Um dos géneros onde Portugal se destaca é o Phyllonorycter, na família Gracillariidae. Borboletas de porte grácil e pequenas dimensões mas que demonstram uma variedade de cores fantástica.
Neste canto da Europa estão catalogadas pelos menos 40 espécies e a sua identificação nem sempre é fácil.
Contudo, há bons especialistas internacionais que têm vindo a publicar sobre o assunto e vamos sempre conseguindo identificá-las. Ajuda conhecer-se o habitat em que se encontram bem como as plantas onde aparecem as minas e dispor de exemplares em bom estado, tanto melhor.
Pessoalmente é um grupo que conheço mal mas tenho fotografadas 3 espécies:




Phyllonorycter rebimbasi PN Sintra-Cascais, Setembro 2014.
Minadora de Quercus coccifera. Apesar de estar citada de Portugal, Espanha e França, foi originalmente descrita em Portugal e pelo português Cândido Mendes de Azevedo, um padre jesuíta que no inicio do século XX lançou as bases e muito mais para o estudo das borboletas portuguesas. O nosso maior lepidopterologista.



Phyllonorycter belotella. PN Sintra-Cascais, Maio 2014
Outra minadora de Quercus spp.



Phyllonorycter endryella. Serra de Ficalho, Outubro 2012
Outra minadora de Quercus spp.

Para mais espécies fotografadas em Portugal, o Portal do Naturdata é uma boa opção, assim como o blog do João Nunes que está a avançar imenso neste grupo.

Referências relevantes para a identificação e biologia das espécies em Portugal:

  • Bradley JD, Jacobs SNA, Tremewan WG (1970) A Key to the British and French Species of Phyllonorycter Hüber (Lithocolletis Hübner (Lep., Gracillariidae). Entomologist’s Gazette, 20, 3–33.
  • Laštůvka A, Laštůvka Z, Lastuvka A, Lastuvka Z (2006) The European Phyllonorycter species feeding on the plants of the tribe Genisteae (Fabaceae), with descriptions of twelve new species (Lepidoptera: Gracillariidae). Acta Universitatis Agriculturae et Silviculturae Mendelianae Brunensis, LIV, 65–84.
  • Laštůvka A, Laštůvka Z (2007) Southern European Phyllonorycter species mining Quercus, with two new species (Lepidoptera: Gracillariidae). Acta Universitatis Agriculturae et Silviculturae Mendelianae Brunensis, 55, 95–110.
  • Lastuvka Z, Lastuvka A (2009) New records of mining Lepidoptera from the Iberian Peninsula (Lepidoptera: Nepticulidae, Opostegidae, Bucculatricidae, Gracillariidae). SHILAP Revista de Lepidopterología, 37, 485–494.

Uma ferramenta interessante pela sua versatilidade mas que naturalmente não tem todas as nossas espécies:
http://identify.naturalis.nl/lithocolletinae/app/views/matrixkey/identify.php?

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Noites por Sintra 1


Decidido a aproveitar a última noite quente de Setembro, a 22 fui para a Serra de Sintra, na sua vertente sul armadilhar para borboletas nocturnas e não foi nada mau: 76 espécies incluindo 25 microlepidopteros, alguns dos quais ainda por identificar. Em relação aos macros não houve muitas novidades mas pude confirmar a ocorrência de uma das espécies de Noctuidae que considero mais bonitas e um bom indicador de que armadilhei numa zona de urzal. Porque as larvas se alimentam de urzes (Erica spp. e Calluna vulgaris) e as borboletas aparecem somente nas etapas de sucessão ecológica onde domina a associação Calluno-Ulicetea que é uma dos tipos de matos mais característicos da Península de influência atlântica em solos de pH tendencialmente ácido.

Anarta myrtilli
P N Sintra-Cascais
Setembro 2013

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Uma orquídea lusitana

É fácil perceber porque é que as orquídeas fascinam o naturalista observador a cada encontro, em cada passeio. A sua estratégia de sobrevivência, intrísecamente ligada à fauna de insectos que povoa os campos e as florestas torna-a as extremamente dependentes e por isso são tão consideradas em política de ordenamento e conservação.
As orquídeas já foram objecto de interesse neste blog, com o tema da sua variabilidade e do que os autores consideram espécies diferentes, no complicadíssimo grupo da Ophrys fusca e também acerca de uma das espécies mais locais, a Orchis colina
Com tantas espécies de orquídeas seria prematuro pensarem que se me tinham esgotado os temas de conversa e tendo hoje mesmo visto pela primeira vez a parente lusitana da largamente distribuida Ophrys speculum (que também temos!), não fiquei mais esclarecido sobre a real existência de uma espécie ou subespécie diferente, ora denominada Ophrys vernixia ou O. speculum ssp. lusitanica.
Seja como for, esta forma magrinha de orquídea de espelho apenas aparece no maciço calcário estremenho,  no Algarve e em colónias isoladas na cordilheira bética, no sul de Espanha.

Para começar, uma foto de uma flor de Ophrys speculum, tirada no Alentejo interior, onde não existe O. vernixia.

Podem ver facilmente o que a caracteriza: um labelo largo azulado no centro e amarelo no bordo, rodeado de cilios avermelhados. É uma esquisita mas bela orquídea, existe um pouco por toda a parte.

No oeste do país torna-se predominante a O. vernixia, especialmente na zona de Lisboa onde não aparece de todo a O. speculum. Esta é caracterizada teoricamente por possuir um labelo comprido e convexo em que as duas margens laterais se tocam ventralmente, os lóbulos laterais também são convexos e mais compridos e os cilios são amarelados, tendencialmente. Parece simples? Sim, acho que sim e aqui está uma que encontrei ontem na zona de Cascais, de onde aliás são todas as fotos restantes.

À partida não achariamos qualquer motivo para confundir as duas mas acontece que decidi continuar a explorar o prado de orquídeas que entre as casas que pululam como cogumelos nos arrabaldes do Parque Natural de Sintra-Cascais teima em afirmar o valor e resiliência da biodiversidade.

E encontrei estas coisas...

 Lóbulos laterais de O. speculum, labelo intermédio, cilios vermelhos.

 Lóbulos laterais de O. vernixia, labelo comprimido lateralmente também como O. vernixia, cilios amarelos

 Cilios rosados!

Labelo como O. speculum, lóbulos laterais como O. speculum, cilios como O. speculum... tudo indica que afinal nesta população de O. vernixia há hibridação, até temos indivíduos praticamente perfeitamente O. speculum! Não acham?

Sem tecer muitos mais comentários, que deixo para vocês, deixo-vos com a planta da foto de cima, que parecia tão O. speculum:
A flor que vos mostrei está no mesmo pé desta outra, tão diferente e que é tão tipicamente O. vernixia que nos provoca um bloqueio mental. Aceitam-se ideias e sugestões... isto das orquídeas nem tudo o que parece é e cada vez me fio mais na Flora Ibérica, tão aglutinadora e sintetizadora desta diversidade de pseudo-espécies que alguns orquidófilos teimam em usar. 

Mas sou só um entomólogo que fotografa orquídeas quando o tempo está nublado...

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Uma couve especial em Sintra!

Claro que não é uma couve mas é muito mais giro começar por chamar a qualquer crucífera de "couve". Também lhe podia chamar "nabo" ou "rábano" ou um tipo de agrião mas "couve" remete-nos para a ruralidade e a vivência do campo de uma forma ímpar.
Lembramo-nos quiçá dos nossos avós e as suas hortas pré êxodo-rural, lembramo-nos das praças e do caldo-verde e é claro, para aqueles mais ligados às couves em sí: lembramo-nos de lagartas.



A Coincya cintrana é uma crucífera, uma "couve" um pouco diferente porque é especial. Não é comestível e  a sua especialidade advém de ser única e localizada no mundo. Neste mundo de couves (Cruciferae/ Brassicaceae tem segundo a Wikipedia cerca de 3700 espécies) esta espécie apenas aparece na Serra de Sintra, de Montejunto e na dos Candeeiros, todas elas na nossa Estremadura de clima favorável e ameno, com ares do Atlântico. É uma espécie anual ou perene e oportunista após o desbaste do mato que ultimamente é o mesmo que dizer, do acacial e olhando para ela não se diria que era uma couve rara, porque geralmente as espécies especiais estão em ambientes estáveis e... especiais!

É mais uma das jóias que podemos encontrar em locais perto da urbe crescente, locais como a Serra de Sintra, onde ainda não estão cheios de acácias ou eucaliptos e cedros.
Se quiserem saber mais, aqui ou aqui são bons locais!


domingo, 31 de março de 2013

A parte-corações

Há aquelas que partem corações porque quando as vemos passamos a estar enfeitiçados por elas, pela sua beleza ou forma de se moverem, é aquele jeito ou o brilho nos olhos, não sei. O que sei é que é esse sentimento com que fiquei, assim meio sem-graça quando vi a Valeria pela primeira vez. Quão paixão adolescente, revelou-se intensa mas fugaz e fez crescer em mim um desejo de a ver repetiamente, se bem que por pouco tempo. É que a Valeria apenas se mostra reluzente entre Março e Abril e passada esta luminosa Primavera, também ela até ao ano seguinte.

Valeria jaspidea (Noctuidae)
P N Sintra Cascais, Março 2013

 A V. jaspidea é uma espécie do sudoeste da Europa que apenas voa entre Março e Abril em zonas de matagal onde predomina o abrunheiro-bravo (Prunus spinosa), do qual se alimentam as lagartas, quando as folhas ainda são tenras. Destaca-se pelas escamas verdes altamente reflectivas dando-lhe um tom eléctrico, bastante difícil de apanhar em foto.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

"A Maravilha do dia"

A "maravilha do dia" terá de ser esta borboleta que voa no Outono pelos bosques caducifólios europeus, não se aventurando para aqueles de influência mais mediterrânica.


Dichonia aprilina - Parque Natural Sintra-Cascais. Novembro 2012

A Dichonia aprilina, assim denominada cientificamente é uma bela espécie com uma cor fantástica verde clara e o padrão negro confere-lhe uma camuflagem impressionante nos troncos cobertos de musgo e líquenes e onde passa despercebida à maioria dos predadores.


Dichonia aprilina - Parque Nacional Peneda Gerês, Novembro 2012. Camuflada num tronco coberto de líquenes.

Uma borboleta assim só podia ser denominada pelos ingleses "Merveille du Jour", é um nome francês mas não usado por eles, apenas em Inglaterra... coisa estranha.

É mais uma jóia a proteger:
- da destruição dos nossos bosques autóctones para plantação de monoculturas de exóticas
- dos efeitos das alterações climáticas
- da proliferação de espécies exóticas invasoras
- da falta de conhecimento de todos nós pela nossa Natureza.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

It's Black , It's White, Whoo

A Biston betularia é uma borboleta famosa.
Esta espécie é uma habitante tradicional de bosques caducifólios em toda o Paleártico, de Portugal à Rússia e possui um padrão típico das borboletas dos seu grupo, que auxilia na camuflagem em troncos de árvores e rochas cobertas de líquenes e irregularidades. O seu padrão é bem eficiente neste contexto, pelos vistos e a sua forma em repouso não atrai grandes atenções - se poisar no sitio certo...

Biston betularia - forma tipica. Parque Natural Montesinho, Junho 2012

Como em todas as espécies, no entanto, existe uma certa variabilidade natural no padrão das asas, nomeadamente na extensão das manchas escuras. Existe na B. betularia uma forma mais escura, aliás, toda negra denominada então f. carbonaria, uma alusão à sua cor de carvão.

Em meados do séc. XIX, e no norte de Inglaterra fortemente industrializado esta forma escura tornou-se predominante sobre a forma típica. O fenómeno foi associado à perda do revestimento de líquenes nas árvores pela acumulação de fuligem e outros elementos poluentes e provenientes das fábricas, era quase impossível encontrar a forma clara!
Denominou-se este acontecimento como "melanismo industrial" em que uma forma rara (a negra) se tornou adaptativa face à forma usualmente mais comum. Apenas os individuos que passam despercebidos aos predadores sobre os troncos das árvores sobrevivem e se os troncos estariam todos negros... a associação é fácil.

Hoje em dia há muito menos poluição a este nível e a forma carbonaria é muito mais rara, mesmo na zona de Inglaterra onde era predominante no inicio do séc. XX e quase só encontramos a forma tipica.

Em Portugal nunca foi encontrada mas em Agosto passado no Alvão apareceu a borboleta mais escura que eu já tinha visto, nesta espécie no nosso país. Não é exactamente uma f. carbonaria mas mesmo assim tem o seu interesse.

Biston betularia - forma escura. Parque Natural do Alvão, Agosto 2012

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A confusão vai-se dissipando


As novas tecnologias e metodologias na área da genética e novos métodos de inferência filogenética têm permitido grandes avanços no conhecimento. Contudo, para a maioria de vós pode parecer que existe uma grande confusão a este nível, o das espécies e dos géneros e os grupos que criamos para explicar a diversidade.

Tomei conhecimento há um par de dias de um artigo notável que usando cerca de 6 genes diferentes cria uma pequena revolução no que conhecemos dos licenídeos azuis.

O artigo está aqui: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1096-0031.2012.00421.x/abstract

Conclusões relevantes para a nossa fauna:

1) Eumedonia eumedon é claramente distinta das espécies de Aricia.
2) Cyaniris semiargus continua distinta de Polyommatus
3) Os autores verificaram que a nossa bellargus pertence a um grupo que se diferenciou dos Polyommatus há mais de 5 milhões de anos e separam-na: fica Lysandra bellargus


terça-feira, 21 de agosto de 2012

Butterfly love

If you're more analytical, you get to realize that butterflies are just insects, like many others in many ways including so many legs! And they do the same sound when crushed! And they often become pests in agriculture contexts!!
But in spite of this, butterflies are much more appreciated by people, probably because the bright colours of many, or it is because they are not usually predators and eat veggies most of their lives? Anyway, they can most often be used as flagships for conservation and are among the best indicators of what is going around us: if they disappear others will follow!

Here butterflies are a flagship for love too, which I tried to picture in the best way is more butterflies in the making by a nice little butterfly with a romantic name evoking the roman god Cupid! Enjoy love, enjoy life, enjoy butterflies and don't let them go away!

Cupido minimus
Trás-os-Montes, Portugal
May 2012

domingo, 22 de julho de 2012

Clown moth!

Atlantarctia tigrina (Erebidae, Arctiinae)
Bragança, Portugal.
Maio 2012

sexta-feira, 13 de julho de 2012

pela Andaluzia em Julho

A Andaluzia é a região autónoma mais a sul de Espanha e a segunda maior em área e população, mais de 8 milhões de pessoas.
Aqui também podemos encontrar uma das maiores concentrações de espécies em toda a Europa. É que a Andaluzia encontra-se apenas separada de África por 14km de estreito de Gibraltar, possui uma imensamente variada topografia, geologia e clima e poderemos encontrar desde zonas de clima subtropical seco (em Almería chovem menos de 300mm anualmente, o local mais seco da Europa) a bosques sub-húmidos de abetos (em Grazalema) ou pradarias criófilas alpinas na Serra Nevada, passando por todos os estádios intermédios. Aqui existem espécies típicas de climas mais frios que encontram refúgio nas serras, principalmente da cordilheira a sul da falha do rio Guadalquivir mas também espécies que têm a sua origem ou grosso da distribuição no norte de África!

Ora bem, quanto às borboletas esta vasta região é uma das mais importantes a nível Europeu tanto pelo número de espécies como (e principalmente) pelas espécies que aqui ocorrem mas em mais nenhum outro lugar. É que apesar de tudo as suas montanhas estão isoladas da maioria das outras na Europa. O sistema central está mais perto dos Pirinéus, estes da cordilheira cantábrica mas também do maciço central francês e dos Alpes e dos Cárpatos e do Cáucaso... mas as serras Nevada, Maria, Filabres, Cazorla, Sagra, etc. estão de facto isoladas por terras bem quentes e secas... Nem nos máximos glaciais (em que fez consideravelmente mais frio) haveria uma grande continuidade para as zonas favoráveis europeias. Isto proporcionou que o que tivesse lá chegado, ali evoluísse em franco isolamento, tudo é aqui ligeiramente diferente do que existe pela Europa fora... e muitas vezes partilha mesmo mais afinidades com as espécies nas montanhas do norte de África! É uma zona fantástica que importa preservar.

No inicio de Julho tive a oportunidade de fazer um raide de 7 dias pela Andaluzia e assim fotografar algumas das suas borboletas especiais. Não consegui ver muitas delas mas cá ficam algumas:

A zona do cume da Sierra Nevada é agreste e por estar coberta de neve 8 meses por ano a sua  biodiversidade rica em endemismos apenas mostra o seu esplendor entre Junho e Agosto. Aqui o Pico Veleta, com mais de 3000m de altitude. Nos matos baixos psico-xerófilos crio-oromediterrânicos podemos encontrar algumas espécies endémicas como Polyommatus golgus, Erebia hispania ou Parnassius apollo nevadensis.

Polyommatus golgus - endémica do topo da Serra Nevaa, afim à Europeia P. dorylas.


Erebia hispania - outra endémica que aqui podemos encontrar na Sierra Nevada. Espécie afim à Alpina Erebia cassioides. Se na faqce superior é bastante colorida e se evidenciam os ocelos, na face inferior confunde-se perfeitamente com o substrato de xistos pré-Câmbricos do topo da serra.

Coenonympha dorus - Espécie omnipresente durante a minha viagem pela Andaluzia em zonas de bosque mediterrânico algo sombrio e pedregoso. Em comparação com as do oeste da península, os ocelos destas eram enormes!

Zygaena trifolii - apenas encontrei esta espécie nas nascentes e prados húmidos acima dos 1400m na Sierra Nevada, já que é uma espécie higrófila.

Nas escassas zonas húmidas juntava-se um grande número de borboletas, entre as quais a quase omnipresente Melanargia lachesis

E a Aricia montensis, uma espécie de montanha do complexo da Aricia artaxerxes que facilmente confundimos com a Aricia cramera, mais pequena e de asas menos afiladas.


Já na província de Almeria, em ambiente muitissimo mais seco e de carácter subtropical é impossível não comparar estas pastagens dominadas por Stipa tenacissima e Zizyphus lotus a muitas zonas que encontramos em Marrocos. De facto é aqui que encontramos por exemplo a Tarucus theophrastus, uma espécie africana que tem nesta zona e regiões colindantes o seu único habitat europeu.

Tarucus theophrastus - espécie norte-africana que na Península Ibérica está limitada às zonas mais secas do sudeste.

Aqui também é onde ocorre um endemismo interessante, a cigarra Tettigettalna helianthemi helianthemi.

terça-feira, 19 de junho de 2012

A jóia rubra chamada Zygaena nevadensis

Zygaena nevadensis
Bragança, Portugal
Junho 2012

A Z. nevadensis é uma espécie que em Portugal apenas aparece em um par de bolsas de populações, isoladas e este padrão repete-se por toda a sua área de distribuição entre Portugal e o Sul de França e Marrocos. Está estreitamente ligada à planta de que se alimenta na fase larvar (e também adulta!), espécies de Vicia no grupo cracca/ tenuifolia que crescem em prados algo húmidos, clareiras florestais e caminhos algo sombrios.
Em Portugal pode ser encontrada perto de Bragança e no nordeste da Serra da Estrela, perto da Guarda e está, julgo eu, ameaçada pela perda de habitat e alteração das práticas agrícolas tradicionais.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Aricia eumedon: No seu cantinho especial... resiste.


 No âmbito da Europa continente, Portugal é um país periférico longe não só do centro geográfico e político actual mas ainda (mais) da grande fonte de biodiversidade que é a Ásia. Além do mais, está distante de qualquer das grandes zonas geradoras de biodiversidade que são as zonas tropicais, apesar de aqui em Portugal existir um dos climas mais amenos da Europa.

 A nossa biodiversidade ibérica é o resultado da dinâmica muito particular entre o efeito do isolamento geográfico em relação ao resto do território europeu (uma península, com uma grande barreira montanhosa, os Pirinéus, entre nós e a Europa), as alterações climáticas que têm vindo a suceder-se desde o final do Terciário (há 5 milhões de anos), a própria heterogeneidade altitudinal, geológica e de habitats (onde se inclui a influência do Homem) e alguma estocasticidade... ou se quiserem, a sorte!

 É certo que com pesos diferentes em cada altura mas estes factores são decisivos para que a lista de espécies de uma determinada área seja um processo nunca acabado, fluido e apenas instantâneo (se é que a lista total é possível). É que aquilo que consideramos espécies não só é um conceito fluido, sobre o qual alongar-me não é o objectivo como a sua distribuição pulsa ao sabor da alteração dos habitats, das outras espécies, do clima e de novas oportunidades.
 Se por um lado sabemos que existem espécies oportunistas que têm uma grande capacidade de dispersão e colonização do espaço, particularmente espaços abertos e alterados mas muitas espécies especializaram-se em determinadas condições bióticas muito específicas, por vezes condições difíceis de replicar mas onde elas maximizam a sua sobrevivência.


 Entre os exemplos e mais uma vez no mundo das borboletas em Portugal, temos uma das mais raras e localizadas borboletas no nosso país, a Aricia eumedon.

  Tanto quanto parece, em Portugal apenas podemos encontrá-la nas altitudes mais elevadas da serra da Nogueira, perto de Bragança enquanto está distribuída um pouco por toda a Europa até ao leste da Ásia. Contudo, é uma espécie sempre local em populações isoladas umas das outras, aparecendo preferencialmente bosques naturais relativamente húmidos onde haja a planta alimentícia das lagartas em abundância: gerânios perenes do género Geranium.

 Na Serra da Nogueira podemos encontrá-la em Maio e Junho na orla e clareiras do belo carvalhal de Quercus pyrenaica que apresenta o seu expoente máximo nesta zona do país e é também um repositório, um refúgio para muitas outras espécies.
 Em Portugal e por toda a Península a sua distribuição deve ter sido mais alargada no passado, antes do retrocesso dos bosques densos e naturais das zonas serranas e a xerofitização potenciada pelos diversos usos que o Homem deu à floresta.

 Quanto à planta alimentícia, em Portugal é obrigatoriamente o Geranium sanguineum (já que é uma das duas únicas espécies de Geranium perenes de Portugal), uma espécie de distribuição também Eurosiberiana disseminada pela metade norte e alguns enclaves mais atlânticos no sudoeste do país e a borboleta desenrola todo o seu ciclo de vida em torno desta planta!
Não só apenas deposita os ovos nela e as lagartas se alimentam das suas flores como as borboletas adultas quase só se alimentam do nectar das suas flores e aí também se poisam nas alturas de tempo mais adverso! Uma dependência completa que importa preservar mas que a cada ano é mais ameaçada pela perda de habitat disponível em virtude dos incêndios e inadequada gestão florestal e isolamento da população em causa.
Contudo, parece que para já, se as coisas não se alterarem muito no seu pequeno cume, na sua bela Serra coberta de carvalho-negral assente sobre um mosaico de rochas ultrabásicas e xistos verdes a sua sobrevivência está assegurada.

terça-feira, 22 de maio de 2012

O dromedário enferrujado


Notodonta dromedarius
Parque Natural de Montesinho
Maio 2012

Esta espécie, que é uma raridade em Portugal, ocorrendo apenas no extremo norte do país, tem um curioso nome. O epíteto específico "dromedarius" pareceria um nome desadequado para uma borboleta, alguém lhe encontraria parecenças com esse animal tão familiar adaptado ao deserto? É que a borboleta nem acumula reservas de alimento por aí além, apesar de não se alimentar na fase adulta e toda a energia que gasta ter sido acumulada enquanto lagarta.
Ora, é apelidada de "dromedarius" justamente por causa da lagarta que na sua fase mais desenvolvida ostenta umas curiosas protuberâncias na zona dorsal que lembram bossas! Os entomólogos até são bastante criativos! ;)
O nome inglês desta borboleta é mais adequado ao insecto perfeito, já que é apelidada de "Iron Prominent", em virtude da sua cor de ferro enferrujado quiçá!

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Polyommatus amandus... where is it?


Pair of Amanda Blues in copula, picture taken in Greece, 2011.

Among the many brightly coloured little blue butterflies found in mountain meadows the Amanda blue, Polyommatus (Agrodiaetus) amandus is one of the largest. It is indeed a handsome species dwarfing most others and clearly standing out with a deep blue upperside and faint markings on the underside. It is found in much of Europe but not being a truly mountain species and favouring rather mesic meadows with Vicia spp. (the foodplants) one would suppose it would be found in Portugal too, albeit only in the north would it be able to thrive.
So far, there are no reliable records for the country but year after year as more work is undertaken in the neighbour spanish province of Galicia, new records approaching the portuguese territory may indicate the species is around, albeit probably very local and overlooked!
So this 2012 I call everyone interested in observing butterflies in Portugal to go to the field and try finding this beauty.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Arctia caja - frisky summer nights


Arctia caja (Arctiidae) - the colourful and brightly coloured moth is on the wing during the heat of Summer nights throughout Europe and northern North America in a range of different subspecies and forms.
Although very variable, the stunning pattern is somewhat unmistakable and the Garden-tiger, as it is called in the UK is a well known species by many, defying the too established thought that moths are drab and secretive creatures of the night.

In Portugal this species is fairly limited to Supramediterranean and Temperate forests in the mountainous north with a high rainfall and good forest cover with little alien species and traditional agriculture practices.

domingo, 20 de novembro de 2011

Cornifrons ulceratalis

No passado 17 de Novembro encontrei em Lisboa uma pequena borboleta da família Crambidae que à primeira vista não consegui identificar.
A consulta da bibliografia e a internet permitiu chegar à conclusão de que se trata de uma Cornifrons ulceratalis Lederer, 1858, uma espécie que apenas tinha sido observada em Portugal em duas ocasiões, ambas no Algarve e ambas em 1994. Este é portanto não só o primeiro registo em quase 20 anos em Portugal como é o mais a norte já registado no nosso país: e tudo fortuitamente enquanto me encontrava no local de trabalho, já que a borboleta esvoaçava nervosamente contra a janela da sala.


C. ulceratalis de 17-XI-2011

A Cornifrons ulceratalis pertence a um género com apenas três espécies, distribuindo-se as outras duas por zonas semi-desérticas da Califórnia e Arizona e a C. ulceratalis um pouco por todo o Norte de África e próximo oriente entre Marrocos e a Siria e o Irão. É ainda conhecida como migradora ocasional no sul da Europa (Espanha, França, Itália, etc.) sendo arrastada por ventos fortes de Sul, acompanhando outras espécies migratórias.

Em 2009 foi alvo de um interessante artigo devido ao seu achado em Espanha e França nos dias a seguir a ventos predominantes vindos do norte de África que além de trazerem outras espécies migratórias abundantes nesta altura do ano, trouxeram poeira vinda do deserto e pôde-se determinar as possíveis zonas de origem dos exemplares avistados.
O artigo encontra-se aqui.

O exemplar agora localizado em Lisboa, após um período de intenso temporal en todo o país poderá ser o primeiro de muitos que terão sido trazidos pelos ventos predominantes de sul na semana anterior e que originaram a certo ponto até a existência de super-células e temporal forte.


Vista lateral do mesmo exemplar de C. ulceratalis.

Trata-se pois de mais um registo importante para a monitorização quer das alterações climáticas quer da composição da biodiversidade em Portugal, o conhecimento de mais registos através do armadilhamento nocturno ou mesmo de fotografia de borboletas encontradas poderá proporcionar-nos uma perspectiva mais acertada do que se passa.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

terça-feira, 24 de maio de 2011

Uma noite observando borboletas nocturnas no Alentejo

O Alentejo é aquela região de Portugal que despertou para o estudo da biodiversidade apenas muito recentemente. É que por um lado a riqueza, a aristocracia (as pessoas que têm tempo) e efectivamente a maior parte da população sempre viveu ou na franja litoral entre Lisboa e o Porto ou então no norte do país. A proximidade a esses locais mais húmidos e ou montanhosos e luxuriantes e a distância enorme para uma região deprimida economicamente e pouco acidentada em tudo dificultaram o estudo da rica fauna e flora que existe no Alentejo.
Foi apenas com o despertar do Algarve em meados do século XX como destino turístico que as vias começaram a ser melhoradas e tornou-se mais fácil aí chegar. Apesar de ser "apenas uma vasta zona plana" no caminho das praias algarvias, devagarinho se começou a olhar mais para os tesouros escondidos do Alentejo.
Longe de ser apenas a vasta planície de erva doirada onde o pôr-do-sol de final de Verão não deve nada ao tipicamente africano, pautada pela ocasional azinheira ou o altivo "Monte", o Alentejo possui uma variedade de habitats e ecossistemas notável fruto da sua extensão e micro-climas, das diferentes práticas agrícolas e da imensamente variada geologia.
No que diz respeito às borboletas, que como me canso de dizer, são um dos melhores grupos que podemos estudar para avaliar o estado de saúde dos ecossistemas apenas muito recentemente se tem prestado alguma atenção ao Alentejo: é uma região enorme, fracamente povoada, há poucos borboletólogos e é preciso algum engenho e arte para encontrar borboletas que pela secura que pauta esta região têm períodos de voo algo ajustados aos fugazes períodos mais favoráveis, entre o final do Inverno e Junho e no final do Outono: o Verão é geralmente tórrido e o Inverno húmido e frio.
Nos últimos anos eu, o Dinis Cortes e o Ivo Rodrigues temo-nos dedicado a tentar saber que espécies de borboletas nocturnas existem no Alentejo profundo e sempre que possível têm se feito sessões de armadilhamento para assim podermos estudar uma interessante fauna tipicamente mediterrânica e ainda desconhecida. Temos tido também a ajuda / companhia frequente de inúmeros colegas e amigos que tornam tudo mais especial.

No passado inicio de Abril lá fui eu, o habitual Dinis Cortes e o Fernando Romão tentar armadilhar numa zona a sul de Serpa, perto do Pulo do Lobo onde nunca antes se havia armadilhado por borboletas nocturnas. Trata-se de uma zona de meia encosta perto da Ribeira de Limas. Estávamos rodeados de matagal mediterrânico de estevas e azinheiras sobre substrato de xistos, habitat que não sendo demasiado rico é típico de uma vasta área no sul de Portugal.

Dinis Cortes e Fernando Romão... em acção.

Foi visto um total de 56 espécies diferentes, a maioria componentes de uma característica fauna primaveril mediterrânica que em Portugal podemos encontrar no Algarve, no Alentejo e algumas espécies no vale encaixado do Douro.
Ora aqui alguns exemplos, que mostram a diversidade de formas, cores e padrões nas borboletas nocturnas.


Gnopharmia stevenaria (Geometridae)


Dyscia penulataria e Dyscia distinctaria (Geometridae), duas espécies semelhantes morfologicamente, distintas ecologicamente.


Omphalophana serrata (Noctuidae) - incomum espécie mediterrânica.


Synthimia fixa (Noctuidae) - na Primavera, esta espécie é típica nestes habitats, voando de dia e de noite.


Zethes insularis - Espécie subtropical, rara em Portugal e agora nova para o Alentejo.


Lymantria atlantica (Lymantridae)